sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Lei Maria da Penha agora vale mesmo sem a necessidade de denúncia da vítima

Ministra diz que há preconceito até no STF, que endureceu lei contra homens agressores por 10 votos a 1
09 de fevereiro de 2012 | 21h 28
 
 
Mariângela Gallucci, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Uma decisão tomada nesta quinta-feira, 9, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) torna mais complicada a situação dos homens que agridem as mulheres no ambiente doméstico. Ao analisarem a Lei Maria da Penha, os ministros do STF concluíram que a abertura de ação criminal contra o responsável pela lesão corporal não está mais condicionada a uma representação da vítima. Ou seja, o processo poderá ser aberto mesmo se a mulher não prestar queixa.

Antes, para abrir a ação, era necessária uma representação da vítima. Se ela fosse agredida, mas optasse por não denunciar o companheiro, nada poderia ser feito. E ainda havia a possibilidade de a mulher retirar a queixa diante das pressões do agressor. Agora, diante de denúncias, por exemplo, de vizinhos, o Ministério Público poderá acionar o responsável pela agressão, retirando da mulher essa pressão.
No julgamento, cujo placar foi 10 a 1, apenas o presidente do STF, Cezar Peluso, votou pela manutenção da necessidade de representação pela mulher agredida.

Os ministros afirmaram que na maioria dos casos a mulher desistia da queixa após sofrer pressões psicológicas e econômicas por parte do agressor. Mas, com o entendimento adotado nesta noite pelo tribunal, essa pressão deixa de existir.
"Se ela (mulher) não representar e houver a notícia crime por um vizinho que cansou de ouvir e ver as consequências das surras domésticas, se terá a persecução deixando-se a mulher protegida porque o marido não vai poder atribuir a ela a existência da ação penal", disse o relator, Marco Aurélio Mello.
No julgamento no qual foram analisadas ações da Procuradoria Geral da República e da Presidência, os ministros reconheceram por unanimidade a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Eles disseram que existe desigualdade entre homens e mulheres, que a sociedade é machista e paternalista e que a lei é necessária para proteger o sexo feminino de agressões."As agressões sofridas são significativamente maiores do que as que acontecem - se é que acontecem - contra homens em situação similar", afirmou o relator.
A ministra Rosa Weber disse que exigir-se da mulher agredida que represente contra o agressor atenta contra a dignidade da pessoa humana. O ministro Luiz Fux afirmou que não é razoável a obrigatoriedade da representação por parte da mulher agredida. Segundo ele, isso até inibe que a mulher, já abalada emocionalmente pela violência, denuncie o companheiro.

Preconceito no STF. Uma das mais enfáticas no julgamento, a ministra Carmen Lúcia afirmou que ela própria é vítima de preconceito. "Às vezes acham que juíza desse tribunal não sofre preconceito. Mentira. Sofre. Há os que acham que aqui não é lugar de mulher", disse a ministra.
Ela contou que quando está no carro oficial do tribunal nota olhares preconceituosos: "Na cabeça daquele que passa, estamos usurpando a posição de um homem. Imagina-se a esposa de alguém que deve estar trabalhando enquanto ela está fazendo compras", disse. "A gente quer viver bem com os homens porque a gente gosta de homem. Queremos ter companheiros, não queremos ter carrascos", completou a ministra. "Quem bate não ama", finalizou.
Carmem citou o assassinato na semana passada da procuradora federal Ana Alice Moreira de Melo, morta a facadas pelo ex-marido dias após ter registrado uma ocorrência contra ele numa delegacia. "Enquanto houver uma mulher sofrendo em qualquer canto deste planeta eu me sinto violentada", afirmou. A ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes, e a senadora Marta Suplicy (PT-SP) assistiram ao julgamento. Elas questionaram o advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, que em sua sustentação oral defendeu a necessidade de a mulher agredida apresentar uma reclamação contra o agressor.

Fonte: Estadão

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Congresso instala CPI para investigar violência contra mulheres

Comissão vai debater aplicação efetiva da Lei Maria da Penha.
Relatora citou assassinato de procuradora em Minas Gerais.


Nathalia PassarinhoDo G1, em Brasília


O Congresso Nacional instalou nesta quarta-feira (8) uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar violência contra mulheres. A CPI, formada por senadores e deputados, terá 180 dias para debater falhas na aplicação da Lei Maria da Penha e encontrar soluções para que mulheres vítimas de agressões sejam protegidas.
"O objetivo principal da CPI é identificar quais são as principais dificuldades encontradas para a verdadeira aplicabilidade da Lei Maria da Penha, ou seja, queremos saber por que tantas mulheres continuam morrendo ainda no nosso país", explicou a relatora da comissão, senadora Ana Rita (PT-ES).

A relatora lembrou o caso da procuradora Ana Alice Moreira Melo, morta a facadas semana passada em Belo Horizonte. O principal suspeito do crime é o marido dela, Djalma Brugnara Veloso, que foi encontrado morto horas depois pela polícia. Ana Alice já havia registrado boletim de ocorrência contra o marido por agressão verbal e ameaça de morte.

"Muitas vezes as mulheres sofrem violência, elas procuram os órgãos públicos, fazem o registro de que estão sofrendo algum tipo de violência e voltam para casa. Acabam voltando para um lar onde o principal autor da agressão é seu próprio companheiro. E muitas dessas mulheres acabam morrendo", disse a senadora.

Ana Rita, a presidente da Comissão, deputada Jo Moraes (PCdoB-MG), e demais integrantes da CPI vão ao Supremo Tribunal Federal (STF) para assistir ao julgamento de uma ação que questiona se homem que agride mulher pode ser processado com base na Lei Maria da Penha, mesmo que a vítima não preste queixa. O Ministério Público quer ter o direito de poder denunciar o agressor, ainda que a mulher não queria representar contra ele.

Fonte: G1

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Morte de procuradora põe mulheres em alerta e lota delegacia

Após assassinato de procuradora, unidade especializada registra aumento de 40% nas denúncias de mulheres agredidas. Número de queixas/dia subiu 18,5% este ano
Flávia Ayer -
Publicação: 07/02/2012 06:00Atualização: 07/02/2012 08:54


A repercussão nos meios policiais do brutal assassinato da procuradora da União Ana Alice Moreira de Melo, de 35 anos, foi muito além da intensa mobilização para esclarecer o caso. O crime – ocorrido na quinta-feira e que tem como principal suspeito o marido da vítima, o empresário Djalma Brugnara Veloso, de 49 – encorajou mulheres agredidas a romper o silêncio e denunciar seus companheiros. O resultado foi um aumento na procura pela Divisão Especializada de Atendimento à Mulher da Polícia Civil de Belo Horizonte, estimado em nada menos que 40%. São jovens, mães e esposas vítimas de seus parceiros, que temem a repetição de uma história que há quase uma semana é destaque na imprensa. “Muitas chegam à delegacia falando que vivem a mesma situação e não querem morrer como Ana Alice”, conta a delegada Margaret de Freitas Assis Rocha, chefe da divisão.
Dentro da delegacia lotada, Margaret afirma que a reação é fruto de casos de grande repercussão. “Constatamos esse efeito em casos como o do goleiro Bruno, no assassinato da cabeleireira Maria Islaine (morta pelo marido diante das câmeras de segurança) e agora, com a morte da procuradora. Várias vítimas chegam dizendo que não querem virar manchete de jornal”, conta. Segundo a delegada, dados preliminares sobre solicitações de medidas protetivas, como afastamento do agressor do lar, mostram que a média de pedidos diários este ano já é 18,5% maior em relação ao primeiro semestre do ano passado.

Até domingo, a Divisão Especializada de Atendimento à Mulher registrou 992 solicitações de medidas protetivas, média de 27,5 por dia. Já no primeiro semestre do ano passado foram 4.202 pedidos, média diária de 23,2. O total de requerimentos feitos até dia 5 representa quase um quarto (23,6%) das solicitações dos primeiros seis meses de 2011. “A divulgação da Lei Maria da Penha (criada em 2006 para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher), o atendimento 24 horas pelas delegacias, tudo isso contribui para o aumento das denúncias”, afirma Margaret.

Ainda assim, a delegada ressalta que faltam ações mais ágeis e educativas para afastar a violência da realidade feminina. “Se houvesse uma ação imediata dos juizados, a vítima já voltaria para casa com o pedido analisado. O monitoramento eletrônico dos denunciados (que devem manter distância das mulheres ameaçadas) também ajudaria a resguardar vítimas, além de ações preventivas e projetos de polícia comunitária, propondo reflexões sobre a violência doméstica”, avalia.

Bancos cheios


Enquanto isso não ocorre, falta espaço nas delegacias para tantas vítimas à procura de proteção, segurança e, principalmente, paz. Separada do marido há sete anos, a auxiliar administrativa K., de 31 anos, perdeu as contas de quantas vezes recorreu à polícia para garantir distância do ex-marido, pai de sua única filha. Ontem, na divisão especializada, ela trazia três novos boletins de ocorrência, todos registrados na última semana. “Não quero que ele chegue perto de mim. Ontem, esteve na minha casa e estava descontrolado, gritando e xingando. Já me bateu uma vez e estamos todos assustados, ainda mais depois do caso da procuradora”, afirma.

Grávida de oito meses, a dona de casa N., de 21 anos, ameaçada pelo ex-marido, é outra mulher para quem o sossego depende de intervenção da polícia e da Justiça. “Tenho medo de ele me matar, pois bate para machucar. No fim de semana esteve lá em casa, embriagado, e me empurrou”, conta. A dificuldade começa com o registro da ocorrência: “Os militares falam como se fosse uma simples briga de marido e mulher”, diz a jovem, que passou o dia, ontem, entre a delegacia, o fórum e a Defensoria Pública. “Quero garantir que ele mantenha distância de mim e da minha filha e isso ninguém faz pela gente. Somos nós que temos que correr atrás de tudo”, diz.

A coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a cientista política Marlise Matos, afirma que essa realidade – expressa em boletins de ocorrência malfeitos e no descaso em relação a questões femininas – é reflexo da cultura de uma sociedade patriarcal. “Quando um policial chega e aconselha a mulher a deixar para lá, ele reforça a estrutura brasileira machista a favor dos homens em detrimento das mulheres”, afirma.

Caminho da proteção
No momento da agressão, mulheres vítimas de violência podem acionar a Polícia Militar, pelo telefone 190. Outra opção é procurar a Divisão de Atendimento à Mulher da Polícia Civil (Rua Aimorés, 3.005 – BH). O atendimento é 24 horas e a vítima recebe atendimento psicológico, paralelamente ao início do processo de medidas protetivas. Em cidades do interior que não tenham o serviço especializado, a orientação é procurar a unidade local da Polícia Civil.

A jornalista mineira Débora Favarini, mulher do atacante Kleber, ex-Cruzeiro, atualmente no Grêmio, permanece abrigada na casa dos pais, em Belo Horizonte, depois de denunciar o marido por agressão em Porto Alegre. Segundo boletim de ocorrência registrado na Primeira Delegacia de Polícia Civil para Mulheres da capital gaúcha, onde o casal mora com a filha, na madrugada do dia 28 o atleta, conhecido como Gladiador, acertou um soco na cabeça da esposa. A equipe do Estado de Minas conversou com o pai dela, o executivo comercial Hélio Pacelli Favarini, de 53 anos, que revela ter receio de que a situação saia do controle.

Três perguntas para...
Hélio Pacelli Favarini, pai de Débora Favarini, que denunciou o atacante Kleber por agressão

1) A Débora pode falar a respeito dos problemas que enfrentou com o marido?


Em um primeiro momento, minha filha não está querendo se pronunciar sobre o que aconteceu. Está procurando se preservar.

2) Por que ela voltou para Belo Horizonte?

Ela tem medo de ser agredida novamente, porque esta não foi a primeira vez. Além disso, ela vem acompanhando com receio os vários casos que estão acontecendo no Brasil (de maridos que agridem e matam as mulheres).

3) Como pai, qual é a sua opinião a respeito?
O receio de qualquer pai é ver a situação se agravar de tal forma que chegue a um ponto extremo e leve à morte. Mas não estou influenciando as decisões da minha filha e não existe um movimento de separação do casal.
Fonte: Portal Uai